Pantanal pode perder título de Patrimônio Natural da Humanidade

Pantanal pode perder título de Patrimônio Natural da Humanidade

Na última segunda-feira, o Instituto SOS Pantanal subscreveu e endereçou uma carta ao Diretor do Centro do Patrimônio Mundial da Unesco (a agência especial da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura), o arquiteto camaronês Lazare Eloundou Assomo, e também ao Diretor do Programa do Patrimônio Mundial da IUCN (União Internacional Para a Conservação da Natureza), o geólogo britânico Tim Badman.

Assinado pelo Diretor Executivo do SOS Pantanal, Leonardo Gomes, o documento fornece às duas instituições (respectivamente sediadas na França e na Suíça) dados atualizados sobre a alarmante situação do Pantanal Brasileiro, enfatizando ameaças que afetam o presente e o futuro do bioma. Também subscrita por Mário Haberfeld, CEO da Associação Onçafari, a carta foi redigida por pesquisadores de duas instituições parceiras do SOS Pantanal, representadas no documento pela bióloga conservacionista Luciana Leite, Head da Environmental Justice Foundation (EJF) no Brasil, e por Alejandro OliveraCientista Sênior do Centro de Diversidade Biológica (CBD) do México.

No tópico conclusivo, a carta estabelece demandas emergenciais à Unesco e à IUCN, como a realização de uma Missão de Monitoramento Reativo sobre a Área de Conservação do Pantanal, além da inclusão do bioma na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, mapeamento da Unesco que promove estratégias para a preservação de sítios ameaçados da perda do título de Patrimônio Natural da Humanidade.

“Como a maior área úmida tropical do mundo, o Pantanal é crucial para espécies ameaçadas e populações humanas e oferece inúmeros benefícios ecológicos e climáticos. No entanto, incêndios devastadores recentes, causados ​​principalmente por atividades humanas, juntamente com a seca exacerbada pelas mudanças climáticas, alteraram e degradaram significativamente essas áreas úmidas”, advertem os signatários na apresentação dos pedidos. 

Uma vez atendida a demanda, a inscrição do Pantanal Brasileiro na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo permitirá que um comitê especializado da Unesco aloque assistência imediata do Fundo do Patrimônio Mundial para as áreas ameaçadas do bioma, desenvolvendo e adotando, em consulta com entes governamentais do Brasil, um programa de medidas corretivas com o subsequente monitoramento da situação do Pantanal. A iniciativa também promoverá alertas à comunidade internacional permitindo esforços coletivos que atendam às necessidades específicas da planície e sua biodiversidade, com potencial de ações rápidas e efetivas de conservação.

Cinco constatações e um alerta

Ao longo de 2024, o Pantanal vem enfrentando sua pior seca em 70 anos, situação que preconiza perdas ainda mais severas do que as registradas durante as queimadas e a seca registradas em 2020. No documento enviado à UNESCO e à IUCN, os signatários reiteram que a região está lidando com desafios sem precedentes, que incluem as condições extremas de estiagem exacerbadas pelo avanço das mudanças climáticas e um dos eventos El Niño mais fortes da história.

O documento também destaca que uma soma de fatores deficitários de gestão governamental e legislativa – como políticas públicas insuficientes, flexibilização de leis ambientais e fiscalização incipiente – tem contribuído para a rápida degradação do bioma, com impactos severos para o armazenamento de carbono e a preservação da biodiversidade, da cultura e dos meios de subsistência dos povos indígenas. 

Ao longo de 10 páginas, a carta também chama atenção das autoridades da Unesco e da IUCN para um conjunto de cinco consequências da emergência climática e da devastação ambiental sobre o Pantanal: a já citada ocorrência, em 2024, da maior seca da história do bioma; a amplitude das áreas queimadas no mesmo período; a mortalidade da vida selvagem em consequência dos incêndios; as perdas humanas e econômicas para produtores locais; o recrudescimento das queimadas em Terras Indígenas e Áreas Protegidas; e o avanço do desmatamento no planalto devido à expansão predatória das atividades agropecuárias, principalmente as monoculturas. Encerrando os tópicos deste recorte do documento, o sexto ponto reafirma o caráter de urgência e chama novamente atenção para um alerta manifestado, há décadas, por cientistas e pesquisadores: o Pantanal pode deixar de existir como o conhecemos hoje.

Recomendações

No documento enviado à Unesco e à IUCN, SOS Pantanal, Associação Onçafari, EJF e CBD também endereçam outra série de recomendações, por meio de cartas copiadas, a outros três representantes. São eles: Cara Debonnet, chefe da Unidade de Patrimônio Natural do Centro do Patrimônio Mundial da UNESCO; Mauro Rosi, chefe da Unidade da América Latina e Caribe do Centro do Patrimônio Mundial da Unesco; e Peter Shadie, conselheiro sênior de Patrimônio Mundial da IUCN.

Confira a seguir as demais recomendações:

– Criar uma Missão de Monitoramento Reativo, em coordenação com missões semelhantes realizadas sob a Convenção de Ramsar (uma referência ao tratado ambiental intergovernamental, assinado na cidade iraniana em 1971, que visa a conservação e o uso racional das zonas úmidas), para que sejam realizadas visitas com o intuito de avaliar a natureza e a extensão das ameaças e de elaborar medidas estratégicas para mitigar os riscos à conservação do Pantanal.

– Instar o Governo Federal do Brasil a aderir às suas obrigações sob a Convenção do Patrimônio Mundial e implementar políticas e regulamentos para lidar com as ameaças enfrentadas pelo Pantanal mato-grossense e sul-mato-grossense.

Nas considerações finais, propondo formas de instar as instituições a viabilizar a efetividade de acordos anteriormente pactuados, os signatários da carta endereçada à Unesco e ao IUNC também argumentam.

“O Pantanal exige urgentemente a adoção de medidas para interromper a destruição que está sofrendo, em grande parte causada pelas mudanças climáticas e de uso da terra, exacerbadas pela ação humana. A Convenção do Patrimônio Mundial não pode cumprir seus objetivos se os ecossistemas que pretende proteger forem severamente danificados pelos incêndios florestais recorrentes, degradação predatória do seu entorno no Planalto, agravados pela falta de diligência e vontade política, no Brasil, para implementar medidas de proteção eficazes”, conclui o documento elaborado pela EJF e CBD, endossado pelas demais organizações.

Patrimônio Natural da Humanidade

Inscrito pela Unesco na lista do Patrimônio Natural da Humanidade em 2000, o Complexo de Áreas Protegidas do Pantanal, que compreende o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense as Reservas Particulares de Proteção Natural de Acurizal, Penha e Dorochê, constitui o maior sistema alagável de água doce do mundo e um dos ecossistemas mais ricos em vida silvestre. O reconhecimento da Unesco foi conferido ao Pantanal devido à paisagem que, formada por ecossistemas particulares e tipicamente regionais, constitui uma das mais exuberantes e diversificadas reservas naturais do planeta. O bioma, uma savana estépica de aproximadamente 200 mil km² de extensão e alagada em sua maior parte, está situado nos estados brasileiros de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul. Engloba ainda o norte do Paraguai e o leste da Bolívia.

Sobre o SOS Pantanal

O Instituto Socioambiental da Bacia do Alto Paraguai SOS Pantanal é uma organização ambiental nascida em 2009, que atua na conservação do Pantanal, promovendo o aprimoramento de políticas públicas, a divulgação de conhecimento e o desenvolvimento de projetos para o uso sustentável do bioma. Por meio da ciência e do diálogo, o SOS Pantanal fomenta as transformações necessárias com o apoio de diversos setores da sociedade civil e do poder público.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *